As coletâneas nossas de cada dia...

Por Claudio Cox

As coletâneas de punk rock dos anos 80 matavam a fome de muitos garotos e garotas ávidos por conhecer novas bandas e sons, mas com pouco (muito pouco!) dinheiro no bolso. Eram compradas por uns e copiadas em fitas k7 por tantos, que se fossem contabilizados, teriam transformado as primeiras prensagens de 1000 cópias em disco de platina fácil, fácil. Do lado das bandas era a mesma história: pouca grana e muita vontade de espalhar o som por aí.

“SUB” e “Ataque Sonoro” são duas das mais importantes da época  – no meu bairro pelo menos, elas eram o set de 11 entre 10 festinhas nas garagens da rapaziada. Foram produzidas pelo Redson  (vocalista e guitarrista da lendária banda punk paulista Cólera morto em 2011) e lançadas pela sua gravadora, a Ataque Frontal, em 1983 e 1985, respectivamente. Hoje, em boas condições de conservação, valem até 100 pratas cada no mercado dos usados.

Luiz Calanca também produziu e lançou pela sua Baratos Afins –  uma loja de discos e gravadora independente de São Paulo, fundada em 1978 pelo próprio Calanca, que colocou na praça discos das Mercenárias, Ratos de Porão, Fellini, Bocato, Itamar Assumpção entre outros vários e lendários  – outras duas coletâneas com o mesmo grau de importância para os famintos da época, chamadas “Não São Paulo” volumes 1 e 2.

O primeiro volume foi lançado em 1985 e o segundo em 1987, e tiveram como fonte inspiradora outra fundamental coletânea produzida por Brian Eno e lançada em 1978, com o nome de “No New York”, que apresentava as principais bandas da chamada “No Wave!” novaiorquina.

coletâneas clássicas da Ataque Frontal e Baratos Afins nos anos 80

Outra coletânea clássica dos anos 80 ­– essa produzida pela grande RCA na época, atual Sony Music – foi  uma só de bandas gaúchas que recebeu o muito “criativo” nome de “Rock Grande do Sul”. Eram cinco bandas: De Falla, TNT, Garotos da Rua, Replicantes e Engenheiros do Hawai.

Duas faixas explodiram nas rádios: “Surfista Calhorda” dos Replicantes e “Segurança” dos Engenheiros do Hawai, porém  todas as bandas assinaram contrato e lançaram os seus respectivos álbuns solo. Comercialmente, das cinco bandas, acho que só os Engenheiros encheram os bolsos dos executivos, os Garotos de Rua emplacaram um hit, mas eram piores que os Engenheiros (se é que isso é possível) e foi só. A melhor parte da história com a RCA foram os dois álbuns clássicos dos Replicantes e mais dois do De Falla lançados pela gravadora, sem contar que a TNT serviu de embrião para os sensacionais Cascaveletes de Flávio Basso, mais conhecido como Jupiter Maçã.

O Rap, hoje com lugar de destaque na nossa cultura pop, também deu os primeiros passos por aqui em uma coletânea. "Hip Hop - Cultura de Rua" foi produzida por dois integrantes do Ira!, Nasi e André Jung, mais Akira S e Dudu Marote e lançada pela gravadora Eldorado em 1988. Entre os novos rappers estava a dupla Thaíde& DJ Hum, uma das mais influentes até hoje.

Nos anos 90, o selo Banguela  – capitaneado pelos Titãs e pelo produtor e jornalista Carlos Eduardo Miranda e distribuído pela gigante Warner – além de ter sido o ponto de partida para bandas como Mundo Livre S/A, Litlle Quail and the Mad Birds e Raimundos, lançou também uma coletânea com as bandas Boi Mamão, Resist Control, Woyzeck e Magog, todas de Curitiba, chamada “Alface”.

A Rock It! – gravadora do legião urbana Dado Villa-Lobos – também entrou na onda e lançou “Brasil Compacto”  com bandas do Brasil todo, entre elas os pernambucanos do Eddie e a Living in the Shit, das Alagoas. A Tinitus, do executivo Pena Schmidt, lançou nas suas coletâneas – não me lembro se foram duas ou três  – as bandas Yo-Ho-Delic, Karnak e Virna Lisi, entre outras que não agradariam as majors à primeira vista.

Com o avanço da web e a facilidade no custo das gravações, as coletâneas foram saindo de cena durante a década seguinte, parecia não haver mais sentido juntar uma rapaziada e bancar a prensagem de um CD, quando esse, a cada dia que passava tornava-se mais obsoleto.  A geração “I Pod” consegue elaborar  as suas próprias coletâneas, e cabe a cada banda fazer a sua música chegar à esses malditos aparelhinhos. Tá! Isso parece o máximo, mas não é.

Adentramos essa nova década e o que numa primeira instância parecia uma ode ao vintage,  torna-se quase regra nas principais produções do pop nacional: lançar os álbuns em vinil. Mesmo com muita dificuldade – hoje, por incrível que pareça, sai mais barato prensar as bolachas na República Tcheca do que no Brasil – produtores e artistas independentes, sacramentam a sua obra no formato e disponibilizam a versão digital gratuitamente na rede.

Justamente nessa turbulada transição, me deparo novamente com elas, ainda tímidas, mas não menos graciosas: as Coletâneas. Mais independentes ainda,  como nunca deveriam ter deixado de ser,  as coletâneas voltaram  a cena - pelo menos pra mim – via “Tranfusão Noise Records”, pequeno grande selo do carioca Lê Almeida.

“Coração Transfusionado” foi  lançado em vinil, é um 7” com seis bandas: Lê Almeida (o chefe), Top Surprise, Looking for Jenny, Fijimo, Wallace Costa e Carpete Florido.  O selo tem mais duas coletâneas no curriculum: “Alguns Barulhos Legais” e “Transfusioneme Por Favor” e mais um álbum tributo ao Guided By Voices chamado “Don’t Stop Now”, fora um monte de EP’s e compactos solos das bandas do cast, todos disponíveis para download no blog do selo. 

E agora, estamos nós aqui em plena produção de uma coletânea, totalmente independente. Espero que daqui há uns 10 anos ela seja lembrada como as citadas nesse post, e mais que lembrada que influencie a garotada a fazer música sem pretensões mercadológicas e essas coisas que só atrasam a arte.  

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